terça-feira, 27 de outubro de 2009

Chegas...



Chegas...

Chegas, e de repente eu me pergunto
como pude ser poeta antes de ti,
antes de nossas horas encandeadas...
Como pude escrever coisas que agora
me parecem belezas mutiladas...

Chegas, e de repente me surpreendo
de que ainda haja surpresas para o amor,
marcado como estou da cicatrizes...
Eu que escrevera um dia amargurado:
"agora, em meu caminho, só reprises"...

Chegas, e eu adolesço de alma e corpo
e de repente, num verão que abrasa
como nunca pensara nem supus,
sou todo novos ramos, verdes ramos,
sou todo sol numa eclosão de luz...

E nesta ânsia de amor que me sufoca
que te sufoca como uma onda, e cresce,
e invade tudo, e é o tema de meu canto,
só um desespero surdo me consome:
é perceber quanto perdemos, quanto...

E me deixar a imaginar a vida
que não viveste, mas que te manchou
com a lembrança de inúteis pensamentos,
esta vida afinal que eu nem sabia
e agora solto como um lastro aos ventos...

Jogo aos ventos, enquanto ascendo, e vejo
em teus olhos um mundo de ninguém
e uma paisagem que ainda está sozinha...
Oh! meu amor, tudo é começo e é novo
agora que sou teu e te sei minha....

Um mundo de que nunca suspeitara...
e eu que falava em mundo antes de ti,
como se antes de ti pudesse ser...
E eu que falava em vida antes de amar-te,
e eu que falei de amor, sem nada ter...

Chegas. E de repente me pergunto
que amor é esse que existiu sem ti?
Que flores? Se não houve primavera...
Ah! nascemos agora, um para o outro,
e antes, não fomos mais que vã espera...

Antes, não fomos mais que espera vã...
E agora que existimos neste amor,
penso, que se afinal não te encontrasse,
o amor teria sido uma palavra,
uma palavra inconseqüente e fútil,
nada mais, nada mais que uma palavra;

e outra palavra a vida, e só palavras
todo o meu canto... e esse caminho inútil...

( Poema de JG de Araujo Jorge
do livro"A Sós..." 1a ed. 1958