segunda-feira, 21 de setembro de 2009

in "As Intermitências da Morte”


"Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala
e retirou a carta de cor violeta.
Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar,
sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava.


Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde,
ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira,
ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos,
e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias,
que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir.


Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e,
sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia,
sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras.
No dia seguinte ninguém morreu.